Em abril de 2009, um oficial da Polícia Militar do Ceará, que pediu para não ser identificado, percorreu um caminho de depressão que durou um ano. A situação foi gerada, segundo ele, depois de boatos, que o fizeram sofrer perseguição por outro oficial de patente maior. A confusão fez com que ele fosse transferido, ficasse longe da família e permanecesse um ano em tratamento médico para cuidar do problema psicológico que adquiriu e teve de buscar ajuda fora da corporação para se recuperar.
A situação do oficial é parecida com a de muitos militares no estado do Ceará. Entre o ano de 2011 até março de 2016, foram registradas 23.626 licenças para tratamento médico por problemas psicológicos. O dado foi fornecido pelo presidente da Associação de Praças da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (Aspramece), Pedro Queiroz.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), o serviço de acompanhamento psicológico para os PMs é realizado por cinco profissionais da área da saúde, que atendem uma corporação com aproximadamente 17 mil militares.
O militar diz que em nada a corporação o ajudou, apenas existia um relatório mensal elaborado a partir de visita que buscava saber das condições de saúde do oficial. Por iniciativa própria, ele buscou um Centro de Atenção Psicossocial no município para onde foi transferido, passou a tomar medicamento e permaneceu de licença. “Fui transferido para longe da família, não ia ser mais promovido, afetou o lado financeiro, fiquei dormindo em quartéis, comecei a me isolar”, descreve.
A melhora veio com o tempo, com atividades físicas e com a nova transferência, que o possibilitou voltar ao convívio familiar. Mas ele acredita que o preconceito foi um fator que o desestimulou, muitas vezes, a procurar ajuda. “Muitos não buscam ajuda na corporação pelo preconceito. As pessoas acham que quem busca tratamento psiquiátrico é doido e outros têm receio de procurar e não ter sigilo, de dizer algo e isso se voltar contra você”, lamenta.
Projeto
De acordo com o titular da SSPDS, André Costa, os comandantes das corporações e profissionais de saúde vêm se reunindo, há cerca de um mês, para formalizar um núcleo integrado de atendimento psicológico e de assistência social, com o objetivo de acompanhar os agentes de segurança pública.
André Costa afirma que o núcleo integrado se destinará a atender policiais militares que estão de licença para tratamento psicológico, para profissionais com dependência química de drogas ilícitas ou álcool e para uma ação inédita, na área policial, que é discutir o assédio sexual dentro das Polícias Militar e Civil.
O secretário destaca que o trabalho dos policiais é reconhecido no Brasil como o que mais estressa e pode levar a depressão. “Por tudo o que ele vê e presencia, por causa disso, a gente precisa mudar esse cenário e estamos iniciando o trabalho”.
Para a implementação do núcleo integrado de atendimento, a SSPDS e a Faculdade Maurício de Nassau estão formalizando a parceria, que prevê a realização de programas de estágios supervisionados obrigatórios não remunerados. A assinatura do termo de cooperação entre as instituições deve ser firmada ainda este mês.
Segundo André Costa, além da psicologia, serão oferecidos acompanhamentos de nutrição, enfermagem, fisioterapia e assistência social. “Temos disponibilizado carros, para que sejam feitos atendimentos nas delegacias, nos quartéis e até nas residências, porque às vezes os problemas envolvem o seio familiar. Precisamos cuidar deles para que tenham melhores condições de cuidar da população”, disse.
Números
4.724
licenças por ano foi a média registrada de 2011 a 2015
5
profissionais da saúde atuam para atender uma demanda de 17 mil PMs
80 mil
é a demanda para atendimento psicológico de agentes de segurança e familiares
Licenças para tratamento psicológico
Afastamentos registrados na Polícia Militar do Ceará nesta década2011 – 3.575
2012 – 7.457
2013 – 5.571
2014 – 5.258
2015 – 1.760
2016 – 5* (até março)
Total: 23.626
Efetivo da PM em dezembro de 2016: 17.316
Fonte: Aspramece
OBS.: após março de 2016, o comando da Polícia Militar mudou a metodologia da publicação das licenças e não há como informar a patologia do policial enfermo.