“Já faz 36 anos que tenho meu diagnóstico do HIV. E desde quando eu descobri, eu escondo. Escondo até hoje”, conta André [nome fictício], de 54 anos. Histórias como a dele são comuns entre pessoas que vivem com o vírus. Muitos tomam os medicamentos discretamente, dizendo tratar-se de vitaminas; outros não compartilham a condição com familiares, preferindo revelar apenas a amigos próximos. Alguns mantêm relacionamentos duradouros sem nunca mencionar o diagnóstico, por medo de rejeição.

Estigmas, discriminação, receio de julgamentos e abandono. Segundo Niveamara Sidrac, coordenadora da equipe de Psicologia do Hospital São José (HSJ), unidade da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), esses fatores sociais e emocionais impactam diretamente a saúde mental de quem convive com HIV, sobretudo no que diz respeito às relações interpessoais e à maneira como a sociedade encara a doença.
“Imagina você viver constantemente com um segredo, ter que se ausentar para tratamentos, dar desculpas e mentir para as pessoas, sentir medo ao adoecer e procurar atendimento em outros hospitais para evitar reconhecimento, ou ter receio de comparecer às consultas. Essa tensão constante, sem dúvida, adoece e causa diversos agravos à saúde mental. Não é à toa que, globalmente, a comorbidade mais frequente associada ao HIV seja a depressão, seguida da ansiedade”, comenta a psicóloga.
Dos 36 anos de diagnóstico, André só faz acompanhamento psicológico há 5 anos, mas reconhece a importância de cuidar da saúde mental. “Com a terapia, superei o medo de ficar fraco e me sinto mais aberto. No início, a sensação era de fuga. Ir ao hospital, seguir com os tratamentos, era o que me restava. Era como se eu não pudesse viver uma vida normal. Tudo era mantido em segredo. Atualmente, me sinto mais forte e seguro. Estou muito melhor do que nesses anos todos que passei fugindo”, relata André.

Apoio psicológico e Grupo de Adesão
No HSJ, a equipe de Psicologia desempenha um papel essencial ao abordar as questões emocionais e sociais que afetam pacientes com HIV. O Ambulatório de Psicologia funciona às segundas, terças e quintas, das 7h às 19h, e nas tardes de quarta-feira. O serviço está disponível tanto por demanda espontânea quanto por encaminhamento médico.
Além do atendimento individual, há também o Grupo de Adesão, uma ação promovida em parceria entre o serviço social e o ambulatório do HSJ. O grupo reúne, mensalmente, pessoas que vivem com HIV e profissionais da área da saúde para, de forma coletiva, discutir e acolher os desafios emocionais e sociais relacionados à convivência com o vírus.
Durante os encontros, os temas iniciais conduzem conversas que se ampliam naturalmente. As histórias de vida, embora únicas, se cruzam, permitindo identificação entre os participantes, o que favorece o acolhimento e o sentimento de pertencimento. É comum que emoções venham à tona e que o ambiente se torne um espaço seguro para partilhas profundas.
“A minha experiência no grupo foi marcante. Ingressei após minha alta hospitalar, depois de uma internação de vinte dias, durante a qual perdi muito peso. O grupo me auxiliou significativamente. A troca de experiências e a segurança de poder compartilhar histórias são muito importantes e foi através dessa troca que despertei para fazer o acompanhamento psicológico e cuidar mais da minha saúde mental”, comenta André.
Neste mês de setembro, a atividade do grupo teve como tema “A arte de viver: cores, sabores e encontros que fazem a vida valer”. O encontro começou com alongamentos e exercícios com bola, reforçando a importância da atividade física para o bem-estar, autoestima e redução do estresse, além dos benefícios para a força, coordenação e equilíbrio.
Na sequência, uma dinâmica permitiu aos participantes expressarem aspectos importantes do cotidiano, valorizando elementos simples, mas transformadores, em suas rotinas. A atividade utilizou cores para representar sensações como prazer, serenidade, amor, transformação e coragem. Os relatos compartilhados promoveram autoconhecimento e conexão com o presente.
Importância do acesso à informação

Mesmo com mais de quatro décadas de avanços no tratamento do HIV, o preconceito e o medo ainda persistem em 2025. Algumas pessoas ainda evitam contato físico com quem vive com o vírus, por puro receio de transmissão. Nesse cenário, informação e educação se tornam ferramentas indispensáveis para combater o estigma e orientar tanto a população em geral quanto as pessoas que convivem com o HIV.
“É essencial esclarecer que o HIV é uma condição crônica com tratamento disponível pelo SUS. A transmissão ocorre principalmente por relações sexuais desprotegidas ou acidentes com materiais perfurocortantes. HIV não é uma gripe que pode ser passada com um aperto de mão”, finaliza Niveamara Sidrac.