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Milionários pagarão mesmo IR de professores e policiais

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Mesmo com a aguardada aprovação de uma reforma do Imposto de Renda (IR) que elevará a tributação sobre milionários, esse segmento continuará arcando com uma carga tributária semelhante ou até inferior à de setores da classe média, revelam dados do Sindifisco Nacional, entidade que representa os auditores-fiscais da Receita Federal.

Conforme o levantamento, realizado a pedido da BBC News Brasil com base em dados oficiais, categorias como bombeiros, policiais militares e docentes desembolsam, em média, mais de 10% de sua remuneração em IR.

Ou seja, trata-se de uma alíquota efetiva superior ao imposto mínimo de até 10% que será aplicado aos milionários, caso a proposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja aprovada no Congresso.

A alíquota efetiva representa o percentual da renda total que foi efetivamente comprometido com o pagamento do IR. Brasileiros de alta renda costumam ter alíquotas menores porque parte de seus rendimentos é isenta. É o caso, por exemplo, dos dividendos (lucros distribuídos por empresas a seus sócios), que deixaram de ser tributados no Brasil em 1996.

No início do governo, a proposta do Ministério da Fazenda era realizar uma reforma ampla do Imposto de Renda para corrigir essa distorção. No entanto, diante das dificuldades para aprovar uma reforma que impactaria muitos interesses, a gestão Lula optou pela criação do imposto mínimo, como forma de tributar parcialmente as rendas isentas dos mais abastados.

“O imposto mínimo de 10% é sem dúvida um avanço em direção à justiça tributária, mas é muito insuficiente, inclusive pensando nos padrões internacionais de tributação dos mais ricos”, afirma Carolina Gonçalves, coordenadora de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil.

Ela destaca que apenas dois países no mundo, além do Brasil, não cobram tributos sobre dividendos: Letônia e Estônia.

“Essa realidade nos permite afirmar com tranquilidade que, no Brasil, os milionários pagam muito menos imposto do que em qualquer outro país do mundo, porque a imensa maioria dos super-ricos atuam no mercado financeiro, portanto, a sua renda é a renda do capital [como dividendos], que não é tributada aqui”, ressaltou.

De acordo com a proposta do governo, o montante arrecadado com o imposto mínimo será utilizado para ampliar a faixa de isenção do IR para pessoas com rendimentos de até R$ 5 mil mensais e reduzir o imposto para quem recebe até R$ 7.350.

A reforma foi aprovada por unanimidade na Câmara dos Deputados no início de outubro e precisa passar pelo Senado até dezembro para entrar em vigor no ano seguinte. A expectativa do governo é que essa mudança se torne um trunfo eleitoral na campanha de reeleição de Lula.

O imposto mínimo sugerido terá uma alíquota progressiva, que começará em zero para aqueles que recebem a partir de R$ 50 mil mensais (R$ 600 mil por ano) e atingirá o teto de 10% para os que recebem acima de R$ 100 mil mensais (R$ 1,2 milhão anuais).

Funcionará da seguinte forma: no ajuste anual do IR, será verificado quanto o contribuinte pagou, de fato, de sua renda total em imposto.

Caso o contribuinte tenha declarado renda de R$ 2 milhões, por exemplo, mas tenha recolhido apenas 5% de sua renda em tributos (R$ 100 mil), ele precisará pagar mais 5% para atingir a alíquota mínima de 10%.

O Ministério da Fazenda informa que a reforma beneficiará 14 milhões de contribuintes e afetará mais intensamente cerca de 141 mil pessoas.

Segundo estimativas do economista Sergio Gobetti, os principais impactados serão os milionários, pois indivíduos com renda superior a R$ 600 mil e inferior a R$ 1 milhão ao ano já pagam, em média, mais que a nova alíquota mínima.

Uma parte dos mais ricos, no entanto, foi excluída do novo imposto. Conforme revelou a BBC News Brasil em julho, a proposta original do governo foi modificada na Câmara para proteger grandes produtores rurais.

Com a alteração no projeto de lei, agropecuaristas que declaram IR como pessoa física na modalidade de lucro presumido continuarão recolhendo imposto apenas sobre 20% do seu faturamento, mantendo isentos a maior parte de seus rendimentos, mesmo com renda anual superior a R$ 600 mil.

Dados do Sindifisco confirmam que essa categoria tem carga tributária menor. Em 2023, os produtores rurais pagaram alíquota efetiva média de apenas 4,66%. Naquele ano, a categoria declarou, em média, rendimentos de R$ 331,7 mil.

Para comparação, professores de ensino fundamental declararam, em média, menos de um terço desse valor (R$ 104,7 mil), mas pagaram o dobro em alíquota efetiva (9,76%).

Apesar das limitações da reforma do IR, o economista sérvio-americano Branko Milanovic, uma das maiores autoridades mundiais em desigualdade, acredita que as mudanças terão impacto na redistribuição de renda.

“Não há qualquer dúvida de que a reforma reduziria a desigualdade [caso seja aprovada]”, afirmou, em entrevista recente à BBC News Brasil.

Críticos da maior taxação sobre os ricos argumentam que a medida poderia provocar uma evasão de capitais, argumento refutado pelos defensores da proposta.

“A pergunta que se deve fazer, e eu realmente não sei a resposta, é se essa ameaça da chamada ‘greve de capital’ ou de saída de capital do país é uma ameaça real ou não”, disse Milanovic.

“Muitas vezes isso foi usado como uma ameaça, mas na realidade isso não se concretizou, porque essas pessoas ainda ganham mais dinheiro no Brasil do que colocando o dinheiro em outro lugar.”

Informações da Receita Federal, obtidas pela BBC News Brasil, desmentem a tese de que o aumento de impostos estimula a saída de milionários do país.

Embora o número de milionários que deixaram o Brasil venha crescendo desde o fim da pandemia, menos de 1% toma essa decisão e esse índice tem diminuído desde 2017.

Os trabalhadores que são mais taxados do que milionários

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O Sindifisco analisou as declarações de IR de 2023, dados mais recentes disponíveis para calcular quanto, em média, cada profissão recolheu de imposto naquele ano.

O estudo mostra que categorias com rendimentos intermediários pagam mais de 10% de alíquota efetiva de IR, carga superior à média paga atualmente pelos milionários no país.

Esses profissionais não serão beneficiados pela proposta de reforma apresentada por Lula e, portanto, mesmo com a aprovação esperada no Congresso, continuarão contribuindo com percentuais iguais ou superiores aos dos mais abastados.

Isso se deve ao fato de que essas categorias tiveram, em média, rendimentos acima de R$ 7.350 por mês, o limite que será isento pela proposta do Executivo.

Professores de ensino médio, por exemplo, pagaram em média 10,5% de IR em 2023, segundo o Sindifisco.

Naquele ano, essa categoria declarou, em média, uma renda total de R$ 121,7 mil incluindo salários, 13º e eventuais outras fontes de rendimento, o que equivale a cerca de R$ 10 mil mensais.

Outros grupos apresentaram situação semelhante, com rendimentos anuais abaixo de R$ 160 mil (aproximadamente R$ 13 mil por mês) e alíquotas efetivas acima de 10%.

É o caso de policiais militares (renda de R$ 133,5 mil e alíquota de 10,67%), bombeiros militares (renda de R$ 157,1 mil e alíquota de 12,16%), técnicos em metalmecânica (renda de R$ 122,5 mil e alíquota de 11,25%), geógrafos (renda de R$ 148,8 mil e alíquota de 10,97%) e bibliotecários (renda de R$ 143 mil e alíquota de 11,07%).

Há também categorias com ganhos médios anuais ainda menores pagando quase 10% em Imposto de Renda, como bancários (renda de R$ 105,6 mil e alíquota de 9,16%), assistentes sociais (renda de R$ 107,7 mil e alíquota de 9,64%) e enfermeiros com nível superior, nutricionistas e farmacêuticos (renda de R$ 111,8 mil e alíquota de 9,88%).

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De acordo com o Sindifisco, esses contribuintes de classe média têm sido cada vez mais onerados nas últimas duas décadas devido à defasagem da tabela do IR, que não acompanha a inflação.

Enquanto isso, os milionários pagam menos, já que suas rendas provêm, em boa parte, de fontes isentas, como os dividendos.

Segundo o levantamento do sindicato, pessoas com renda entre 80 e 320 salários mínimos em 2023 (de R$ 1,267 milhão a R$ 5,068 milhões) pagaram uma alíquota média efetiva de 6,11%.

Já os contribuintes com rendimentos superiores a 320 salários mínimos mensais em 2023, o equivalente a R$ 5,068 milhões naquele ano pagaram, em média, uma alíquota efetiva de 4,34%.

Esse valor representa menos da metade da alíquota aplicada àqueles com rendimentos mensais entre 5 e 30 salários mínimos (renda anual entre R$ 79,2 mil e R$ 475,2 mil), que foram tributados, em média, em 9,85% no mesmo período.

Os dados históricos elaborados pelo Sindifisco mostram que essa situação era diferente em 2007, quando a classe média e os milionários apresentavam alíquotas efetivas similares, sendo que os mais ricos contribuíam com um pouco mais.

Naquele ano, os contribuintes com rendimentos mensais acima de 320 salários mínimos pagavam, em média, uma alíquota efetiva de 6,9%. Já o grupo com renda entre 5 e 30 salários mínimos tinha uma taxa média de 6,3%.

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