O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) identificou que apenas um quarto das pessoas trans no Brasil possui emprego com carteira assinada. O dado, que equivale a 25% dessa população, é quase sete pontos percentuais inferior à média nacional. As informações constam no Boletim Mercado de Trabalho nº 80, elaborado pelos pesquisadores Filipe Matheus Silva Cavalcanti, Felipe Vella Pateo e Alberto Luis Araújo Silva Filho, da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc/Ipea).
A publicação se destaca por adotar uma metodologia inédita de identificação da população trans em registros oficiais, a partir do cruzamento entre o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e a Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Até então, essas bases não incluíam informações sobre identidade de gênero. A partir desse método, foi possível reconhecer 38,7 mil pessoas trans entre 14 e 64 anos. Desse total, 47,6% retificou o nome e o gênero entre 2023 e 2025, enquanto 45,8% possuem nome social registrado.
Para os autores do estudo, “a ausência de dados sobre identidade de gênero é um dos maiores obstáculos para entender e enfrentar as desigualdades vividas por pessoas trans”. A maior concentração dessa população está entre jovens de 18 a 30 anos (59,8%), sobretudo nas regiões Sudeste (51,1%) e Sul (15,9%). Norte e Nordeste aparecem com menor representatividade.

Desafios
Entre os principais achados, o estudo aponta que as desigualdades são mais acentuadas para mulheres trans. Nesse grupo, a taxa de ocupação formal é de apenas 20,7%, enquanto entre homens trans o índice chega a 31,1%. Mesmo em regiões economicamente mais desenvolvidas, como o Sul e o Sudeste, o acesso e a permanência no mercado de trabalho seguem restritos.
O levantamento também revela que, em média, pessoas trans recebem R$ 2.707 por mês. O valor é 32% menor que o da população geral, cuja média é de R$ 3.987. A diferença persiste mesmo entre profissionais com ensino superior. Nesse caso, o rendimento é 27,6% inferior ao de pessoas não trans com a mesma escolaridade.
A maior parte das pessoas trans com vínculo formal está concentrada nos setores de comércio, serviços administrativos, alojamento e alimentação, que oferecem baixa remuneração e pouca estabilidade. O serviço público, por sua vez, abriga apenas 5,5% dessa população, proporção que equivale à metade da observada entre trabalhadores em geral.

As desigualdades são ainda mais evidentes quando analisadas sob o recorte racial. Pessoas trans negras, pardas e indígenas têm rendimentos menores que os de pessoas trans brancas e também inferiores aos de pessoas não trans da mesma cor. Uma pessoa trans preta, por exemplo, ganha em média 80% do salário de uma pessoa trans branca e 26% a menos que uma pessoa preta da população geral.
Pesquisa
Os pesquisadores observam, entretanto, que o retrato ainda não é completo. A metodologia contempla apenas quem conseguiu retificar nome e gênero nos documentos, processo que ainda enfrenta entraves e custos elevados. Conforme dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), mais de 60% das pessoas trans no Brasil ainda não finalizaram o processo de retificação de nome e gênero nos documentos oficiais.

O Ipea defende que o desafio agora é transformar os dados em ação concreta. Entre as propostas, está a ampliação das bases de informação para contemplar outras formas de trabalho, como o microempreendedorismo individual (MEI) e o trabalho doméstico, além de estudos específicos sobre os efeitos da discriminação no desenvolvimento profissional.
“A visibilidade é o primeiro passo. Só é possível combater a desigualdade quando o Estado reconhece e enxerga quem está sendo deixado para trás”, comentam os pesquisadores.
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