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Após quase 70 anos, idosa ganha certidão de nascimento

Por quase sete décadas, uma idosa do Ceará viveu sem qualquer registro oficial do Estado: sem certidão de nascimento, sem identidade e sem CPF. Sem data precisa de nascimento ou informações sobre seus pais, ela passou a maior parte da vida à margem de direitos básicos, incluindo acesso à saúde e educação.

A mudança aconteceu quando, ao adoecer, foi aconselhada por uma vizinha a procurar atendimento médico. Foi então que perceberam que ela não possuía documentos. “Ela disse que não tinha ido ao posto porque não tinha nenhum documento e não seria atendida. Conversando mais, eu entendi que ela não tinha nenhum documento mesmo, nem o registro, nunca teve. Foi quando eu resolvi ajudar e fui com ela à Defensoria Pública”, contou Cláudia de Araújo, amiga da idosa.

O caso foi levado à Defensoria Pública do Ceará, que entrou com ação judicial para lavratura tardia do registro de nascimento. O pedido foi deferido e, desde 12 de agosto, a idosa recebeu sua primeira certidão de nascimento. “Quando eu nasci, onde eu nasci e quem são os meus pais, eu não sei. Resumindo, eu não sei nem quem sou eu. Eu não sabia, mas agora sei”, afirmou emocionada.

Com o registro, ela agora planeja acessar serviços básicos que antes eram negados, como atendimento médico, vacinação e matrícula em escola. “Tanta gente em boas condições passaram pela minha vida, mas ninguém me ajudou com isso. Teve quem prometeu, quem também não voltou, mas a Cláudia me ajudou, eu sou muito agradecida a ela. E agora eu quero ir em uma escola. Eu nunca entrei em uma”, disse, cheia de esperança.

Após a certidão, a idosa recebeu também a primeira carteira de identidade com CPF. Para o defensor público Fernando Régis, que iniciou o atendimento, casos como este revelam uma realidade pouco conhecida: pessoas sem documentos, “verdadeiros sobreviventes e guerreiros”. A defensora Beatriz Fonteles, que acompanhou a audiência na Vara Cível de Caucaia, afirmou que situações assim mostram a necessidade de ampliar estratégias de busca ativa para alcançar cidadãos que sequer sabem que têm direito de existir oficialmente.

Defensoria Pública

A atuação da Defensoria depende de parcerias institucionais com órgãos como Centro Pop, Creas, Cartórios, Pefoce, Arquivo Público e igrejas, garantindo que pessoas em extrema vulnerabilidade tenham acesso à cidadania. A escolha do aniversário de 8 de dezembro, coincidindo com o Dia da Justiça, simboliza a reparação: mais do que um registro, uma afirmação de existência e dignidade.

Segundo dados do IBGE, 1,31% da população brasileira ainda enfrenta sub-registro, totalizando cerca de 33,7 mil pessoas não registradas no período legal em 2023. No Ceará, a cobertura de registro civil em 2024 era de 96,8%, deixando 3,8% da população sem documentação e impedida de acessar serviços básicos.

O registro de nascimento é o primeiro passo para garantir direitos como matrícula em creches e escolas, acesso a serviços de saúde e emissão de documentos oficiais, incluindo RG, passaporte, título de eleitor e CPF. Desde 2019, o Plano Nacional de Registro Civil de Nascimento e Documentação Básica permite a lavratura tardia, judicial ou extrajudicial, de registros de pessoas não registradas, com a Defensoria atuando em parceria com cartórios e sistemas como o CRC Jud.

O programa Meu Registro, Minha Cidadania, da Defensoria Pública do Ceará, registrou 14 pedidos de primeira via de certidão em 2024, reforçando a integração entre assistência social e documentação civil, garantindo que cidadãos antes invisíveis passem a existir oficialmente.

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