Segundo dados do Atlas da Violência 2024, em todo o território cearense, há mais de 1,2 mil presos que estão respondendo por tráfico de drogas, mas que não estariam no sistema prisional se o critério para a quantidade de drogas para uso o pessoal fosse de até 25 gramas de maconha. Porém, essa quantidade pode ser maior devido o limite de 40g estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em junho, como diferenciação entre usuário e traficante.
Caso o limite fosse de 25g para o uso pessoal, 6% de toda população carcerária no Estado seria impactada, fazendo com que não estivessem presos. De acordo com a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) , o Ceará, em 2024, possui 21.512 detentos.
A defensora pública Lívia Soares, que atua em Limoeiro do Norte, salienta que a decisão do STF não deve gerar “desencarceramento em massa” no Estado. No entanto, a especialista no tema diz que é importante que um julgamento ocorra para determinar um critério objetivo para a classificação de usuário e, principalmente, levar o debate público para outro campo.
“A sensatez dessa decisão é reconhecer que a questão da droga, que no caso foi restrita à maconha, é um problema de saúde pública. Quem tem problema com abuso de drogas, deve ser resolvido na questão de saúde e não no direito criminal, porque o fato de ser crime ou não, não vai fazer com que a pessoa use ou deixe de usar. Na verdade, esse usuário que vai usar de qualquer maneira, ele apenas vai ser tratado como uma questão de saúde e não mais como uma questão de crime”, disse a defensora pública.
Enquanto isso, Fernanda Naiara, socióloga, doutoranda em Sociologia pela UFC e pesquisadora do encarceramento em massa no Ceará, afirma que essa decisão é um primeiro passo importante promover a revisão de prisões arbitrárias e enfrentar o “superencarceramento” no Brasil.
“De uma forma prática, há o reconhecimento do STF de um debate que vem sendo feito pela sociedade civil há anos, sobre a importância de olhar para as drogas para além de um problema da Segurança Pública, mas também como uma questão de saúde pública, assistência social e cuidado, sejam elas usuárias ou pessoas envolvidas com o comércio de drogas”, explicou a pesquisadora.
Vale lembrar que o STF decidiu que a posse de pequenas quantidades de maconha para uso pessoal não é configurado como crime, mas, na verdade, uma infração administrativa, sem a necessidade de consequências penais, como registro na ficha criminal. Portanto ficou estabelecido que, caso alguém tenha até 40 gramas ou seis plantas fêmea da erva, é considerada apenas usuária.
Todavia, o policial tem o direito de recolher a droga, prender a pessoa em flagrante caso ela dê indícios da intenção de traficar, mesmo que a quantidade seja menor que 40g, como embalagem da substância, registro de operações comerciais e instrumentos como balança.
Em sua decisão, o STF pontuou que a Lei de Drogas (11.343/2006) não possui critérios que possam diferenciar uma pessoa que tenha maconha para uso pessoal ou para tráfico, sendo esse um dos elementos colaborou no encarceramento no país.
Soares afirma que se a pessoa for considerada usuária, ela já não recebe pena de prisão, ela recebe outras punições. O que acontece é que entendeu-se que pessoas com uma quantidade pequena de droga eram traficantes, por isso, elas estão cumprindo a pena pelo tráfico. Mas, se essa presunção passa a ser de que pessoas com essa pequena quantidade são usuárias, isso muda a forma de ver o processo, vai ter que ter revisão nesses processos e que pode ter esse impacto”, disse a defensora.
No documento em que divulga a decisão, o STF destacou que a ausência de um critério preciso fez com que a Lei de Drogas fosse aplicada de forma desigual. “Enquanto jovens brancos e de classe média têm chances maiores de serem considerados usuários, é mais comum que jovens pobres, negros e pardos sejam considerados traficantes”, enfatizou o Supremo, com um argumento reforçado também nos votos de alguns ministros, como no de Alexandre de Moraes.
Sabendo disso, a pesquisa do Atlas da Violência traz levantamentos que mostram que há um “viés social e racial na criminalização de pessoas por tráfico, que são processadas por pequenas quantidades de drogas apreendidas”. Além disso, o estudo revela que também há um cruzamento da variável idade e cor/raça aponta que 53,9% dos indivíduos criminalizados como traficantes são jovens de até 30 anos e negros.
Naiara afirma que, atualmente, mais de 30% [da população carcerária] está na prisão a partir da Lei de Drogas. Portanto, é necessário lembrar que essas pessoas não foram, em sua maioria, sequer julgadas, mas cumprem pena nas instituições prisionais. ” Politicamente, a decisão tem um elemento importante, já que o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a diferença entre usuário e traficante está entregue à ação policial, que tem uma formação racista para com a população. A gente viu na fala dos ministros esse debate muito presente, sobre a população negra encarcerada, sobre como o encarceramento em massa ele tem um alvo: os homens negros jovens das periferias das cidades brasileiras”, disse a socióloga.
A pesquisa do Atlas da Violência ainda alerta que encarceramento de pessoas por falta de critérios técnicos para diferenciar usuários de traficantes ocasiona em um “alto desperdício de recursos públicos”, fora os custos sociais e impactos negativos na força de trabalho.
Sabendo de tudo isso, o STF salientou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), junto com o Executivo e o Legislativo, irá
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