A Justiça do Trabalho do Ceará condenou uma empregadora e sua empresa por submeter uma mulher a trabalho análogo à escravidão desde a infância. A decisão, proferida pela juíza Giselle Bringel de Oliveira Lima David, da Vara do Trabalho de Juazeiro do Norte, determinou o pagamento de indenização por danos morais e reconheceu o vínculo empregatício da trabalhadora.
A ação foi protocolada em agosto de 2024. Segundo a petição inicial, a vítima começou a trabalhar em 1997, ainda criança, na casa da empregadora, no Crato. Ela inicialmente foi contratada como babá, mas também realizava tarefas domésticas e produzia biscoitos na fábrica instalada na residência. A petição relatou agressões físicas e morais, restrição de liberdade e impedimento de frequentar a escola.
A trabalhadora solicitou o pagamento de verbas trabalhistas não quitadas, como férias, 13º salário e horas extras, além de indenização por danos morais equivalentes a 100 salários mínimos. Por sua vez, a defesa da empregadora negou as acusações, questionou a validade das provas e alegou prescrição para o período de 1997 a 2015.

Os advogados da empregadora afirmaram ainda que a relação de trabalho entre 2023 e 2024 não configuraria vínculo formal, por se tratar de produção eventual. Isso porque a trabalhadora não queria ter a carteira assinada.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) interveio, reconhecendo que o período de 1997 a 2011 configurou trabalho análogo à escravidão. O órgão ainda separou outro período de trabalho, de 2016 a 2024. Para o MPT, a prescrição não se aplica por envolver interesse público e social, e abriu notícia de fato para apurar possível trabalho infantil.
Decisão Judicial
Na sentença, a juíza rejeitou a prescrição e reconheceu as condições degradantes enfrentadas pela trabalhadora. Entre elas, a desigualdade de tratamento em relação aos filhos da empregadora e o impedimento do direito à educação.
“A exposição de uma criança a um regime de exploração laboral, com cerceamento de educação, de convívio familiar pleno, em moradia inadequada e em condição de sujeição, acarreta dano moral in re ipsa, ou seja, o dano é presumido pela própria violação dos direitos da personalidade e da dignidade humana. A tese de ‘como se fosse da família’ desmorona diante da realidade de tratamento desigual e exploratório, evidenciando uma prática enraizada na sociedade brasileira que mascara a servidão”, reforçou a magistrada.
A decisão confirmou a rescisão indireta do contrato por falta de registro em carteira e pagamento irregular de salários e benefícios. A juíza fixou indenização de R$ 70 mil por danos morais decorrentes do trabalho análogo à escravidão e R$ 5 mil adicionais por ausência de proteção à maternidade durante doença do filho da trabalhadora.
A juíza reforçou ainda que “a vida da reclamante foi profundamente marcada por essa experiência, comprometendo seu desenvolvimento pessoal, educacional e social, gerando traumas emocionais duradouros, conforme narrado na inicial”. Vale destacar que ainda cabe recurso da decisão.
Acompanhe mais notícias da Rede ANC através do Instagram, Spotify ou da Rádio ANC.