
Mudar de caminho é, muitas vezes, a oportunidade de reescrever a própria história. É quando a vida abre portas para quem deseja seguir por rotas mais seguras, rompendo ciclos de vulnerabilidade e descobrindo novos horizontes. É nesse cenário que surge o Virando o Jogo, uma ação do Governo do Ceará, por meio do Programa Integrado de Prevenção e Redução da Violência (PreVio), voltada a oferecer suporte e criar possibilidades para que essa mudança aconteça de fato.
Em todo o estado, dez cidades são contempladas. Essa expansão foi possível com a entrada da iniciativa no PreVio, em 2023, e o reforço de investimentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), conforme contratos firmados com a contrapartida do Governo do Ceará. Com isso, o projeto passou a atender públicos em situação de maior vulnerabilidade, como mulheres, pessoas negras e a população LGBTQIA+, que, por fatores sociais, são mais impactados financeiramente e pela violência urbana.

Segundo Ravena Simões, coordenadora do Virando o Jogo, os beneficiários são jovens de 15 a 22 anos que estão fora da escola e do mercado de trabalho, vivendo em regiões com altos índices de violência e vulnerabilidade. A seleção é feita com base em dados de monitoramento, o que garante mais precisão na estratégia e permite que o Governo do Estado contribua para transformar a realidade desse público. “A gente está atendendo jovens que, para além de estarem fora da escola e fora do mercado de trabalho, vivem situações de grande vulnerabilidade, inclusive financeira. Jovens que às vezes entregam água, que não vão para a escola porque têm que ajudar na renda da família”, descreve a coordenadora.
Desde sua criação, em 2019, o programa já atendeu 6 mil jovens em todo o estado. A meta é alcançar 10 mil formados até 2026. Em Fortaleza, a reportagem visitou a Vila Social do Canindezinho, onde são oferecidos diversos cursos para moradores da área 5 do projeto, que inclui bairros como Bom Jardim, Vila Manoel Sátiro e Granja Lisboa. A região do Grande Siqueira, com bairros vizinhos, incluindo o Canindezinho, também é contemplada.

É justamente no Canindezinho que vivem as primas Franciscas Gabrielly e Carolyne, atualmente se profissionalizando na área da beleza. Morando a poucos metros da Vila Social, as duas destacam a facilidade de acesso: “são 10 minutos”, dizem quase ao mesmo tempo. Os poucos passos até o local representam a distância entre o presente e o futuro das duas, que pretendem começar os atendimentos em casa assim que concluírem o curso.
No ano passado, ao finalizarem o Ensino Médio, elas se viram sem muitas perspectivas. Gabrielly soube do Virando o Jogo por meio de uma amiga da mãe e repassou a informação para a prima. “Esse curso vai me ajudar bastante em várias coisas na minha vida”, conta ela. “Principalmente em ajudar minha mãe dentro de casa. Pois, embora ela diga que não precisa, ela precisa”, afirma, acrescentando que é filha única. Antes de iniciar a capacitação, sua rotina era apenas “ficar em casa, sem trabalhar e sem estudar”. Com o Virando o Jogo, ela vê essa realidade ficando para trás.

“Eu pensava que não ia pra frente, mas eu acho que vai dar certo”, diz, confiante. “Já tem várias pessoas para serem atendidas e esse kit que a gente vai receber [ao final do curso] vai me ajudar bastante”, complementa Gabrielly.

Sua prima, Carolyne, também vislumbra um futuro como manicure. “Eu pretendo começar a atender na minha casa. Também a domicílio, que é um pouquinho mais difícil, mas também é bom. Querendo ou não, às vezes uma mãe não consegue fazer a unha porque tem uma criança pequena em casa, ou não consegue sair por algum motivo, então a gente se desloca até lá para atender ela numa boa”, planeja.
O Virando o Jogo foi criado com uma proposta: desenvolver competências socioemocionais, além das técnicas que reacendam valores, revitalizem sonhos, reformulem ideias e reconstruam projetos de vida, tanto individuais quanto coletivos. A busca pelos participantes é feita de forma ativa, embora também seja possível se inscrever online.
Os articuladores atuam em conjunto com lideranças e associações locais, referências comunitárias e territoriais. Segundo Larissa Carmerino, gerente da área 5 do projeto, outra ação importante é a parceria com a Secretaria da Educação, com visitas às escolas e atendimento de jovens que abandonaram os estudos. Adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, acompanhados pela assistência social, também são prioridade. “Esse é um processo muito de dependência, que necessita de uma articulação intersetorial. Porque a gente entende que são vários segmentos necessários para que esse jovem de fato tenha essa virada de chave”, considera.
Um dos articuladores é David Guerreiro, que atua há cerca de seis anos. Morador do Planalto Ayrton Senna, ele compartilha sua experiência: “A gente inicia de uma forma bem estratégica um mapeamento. Buscando onde está esse jovem, onde a gente pode encontrá-los e entender como eles se relacionam na sociedade em que vivem. Também fazemos visitas à comunidade, no sentido de fazer aquele porta a porta mesmo, e tem sido o que a gente tem de mais eficiente, porque eu acho que nada como entrar na comunidade, entender as pessoas, entender como elas se organizam dentro do próprio ambiente em que elas vivem”.

Segundo David, o vínculo criado com os jovens é o primeiro passo para que o contato com o programa aconteça. Para ele, não há outro projeto tão completo quanto o Virando o Jogo. “É um projeto que, além de trabalhar a questão da empregabilidade, também trabalha essa questão de se entender enquanto jovem, entender como é a sociedade. A gente tenta não moldar apenas um profissional, mas moldar um jovem mais consciente de si mesmo, de onde vive”.
O Virando o Jogo tem duração de cinco meses, e os jovens recebem um auxílio mensal de R$ 1.400, condicionado à participação nas atividades. Também recebem apoio com fardamento, lanche e material didático.
Além da Formação Cidadã e da Ação Comunitária, eles participam da fase de Qualificação Profissional, com cursos definidos de acordo com as demandas do mercado, permitindo que estejam preparados para oportunidades reais. “A qualificação surge como estratégia do jovem para criar oportunidades para si mesmo”, frisa a coordenadora.
Há também a etapa voltada ao empreendedorismo, com noções de gestão financeira e estratégias de negócio. “Eles têm toda uma parte relacionada exclusivamente a como entrar nesse mundo do trabalho, a como cobrar pelo seu trabalho, a como fazer um plano de marketing para o seu trabalho. Então, de fato, há como literalmente vender aquilo que eles aprenderam aqui”.
Para receber o certificado e o kit de incentivo ao empreendedorismo, o jovem deve ter pelo menos 75% de frequência. Na primeira fase do projeto integrado ao PreVio, foram atendidos 1.657 jovens, dos quais 764 já foram certificados, em cerimônia realizada no Palácio da Abolição, em Fortaleza.

Durante a formatura, o secretário da Casa Civil, Chagas Vieira, incentivou os jovens a seguirem seus sonhos. “Vocês deram o primeiro passo, que foi a qualificação. E o Estado vai buscar estar sempre presente na vida de vocês. Nós vamos estar juntos para que mais jovens consigam o seu primeiro emprego e avancem na vida cada vez mais. Contem com o Governo do Estado na busca da realização dos seus sonhos”.