A rescisão contratual entre uma clínica especializada no atendimento de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a Unimed Fortaleza resultou na interrupção das terapias semanais para aproximadamente 600 pacientes, abrangendo crianças, adolescentes e adultos.
Em 31 de maio, a Clínica Adaptro notificou a operadora de planos de saúde acerca de sua intenção de encerrar o contrato de credenciamento, cumprindo o prazo de 30 dias para finalização dos atendimentos, conforme nota publicada em redes sociais.
Já em 27 de junho, dois dias antes do término do prazo, representantes legais das partes envolvidas reuniram-se para discutir um novo modelo de atendimento. A Adaptro afirmou que a Unimed analisaria a proposta para possível implementação e posterior comunicação conjunta às famílias, o que não ocorreu. “Mesmo após o encerramento do prazo contratual, em 29 de junho, a Unimed Fortaleza manteve-se em silêncio”, declarou a clínica, reiterando a decisão de descredenciamento.
Rafaela Páscoa, fundadora da Adaptro, relatou que a Unimed Fortaleza comunicou as famílias no dia 5 de julho – quando já não havia mais vínculo jurídico entre a operadora e a clínica –, informando que, devido a uma reestruturação, alguns pacientes seriam realocados. “Estávamos aguardando um posicionamento da operadora sobre a possível implementação de um novo modelo de atendimento; por isso, não comunicamos os pacientes. No entanto, a Unimed emitiu um comunicado ‘conjunto’ sem nossa consulta”, declarou Rafaela.
Conforme a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é permitido o descredenciamento de prestadores da rede operadora de saúde, desde que sejam substituídos por equivalentes, mediante comunicação prévia ao consumidor e à ANS com 30 dias de antecedência. Rafaela Páscoa confirmou que “nas duas primeiras semanas de julho, estamos emitindo relatórios atualizados das crianças e ainda realizando alguns atendimentos sem cobrança”.
Rafaela destacou que as alterações contratuais entre a clínica e a Unimed, implementadas em agosto de 2023, resultaram em prejuízos financeiros significativos. “Sofremos a pressão de contratar terapeutas, atender pacientes, cumprir metas. Em contrapartida, enfrentamos uma perda financeira de 40%. A curva de crescimento de pacientes e receitas não acompanhava essa demanda.”
Em nota, a Unimed informou que, “após solicitação de descredenciamento pela clínica Adaptro, no fim de maio, iniciou negociações para a manutenção do prestador em sua rede, visando ao bem-estar de seus clientes e à sustentabilidade do contrato”. A Unimed afirmou que, após várias reuniões e propostas para reverter o descredenciamento, a clínica decidiu manter a rescisão. Desde então, a operadora vem realizando esforços para continuar assistindo seus beneficiários.
A Unimed informou que a força-tarefa consiste no remanejamento dos pacientes para as 13 clínicas credenciadas localizadas na Capital e Região Metropolitana. Quanto à Adaptro ser a única clínica a atender adolescentes e adultos, a Unimed declarou que “o número de adultos com TEA representa 6% do total de beneficiários da operadora, enquanto os adolescentes são 5% e as crianças chegam a 89%”. A operadora assegurou que continuará oferecendo cobertura nas clínicas especializadas em atendimento a pessoas com TEA.
Daniela Botelho, fundadora da Associação Fortaleza Azul (FAZ), composta por autistas e familiares, afirmou que a Adaptro era a única clínica que oferecia atendimento especializado para jovens e adultos. Sua própria filha, de 17 anos, está sem tratamento. “A Unimed deveria ter comunicado aos pacientes. São mais de 600 pessoas sem atendimento. Estamos sem nada”, lamentou Daniela, informando que o custo mensal médio de terapias particulares seria de R$ 5 mil. A FAZ planeja ingressar com ação judicial junto à Defensoria Pública Geral do Estado para reivindicar a reintegração dos pacientes às terapias.
A advogada Janielle Severo, mãe atípica e assessora jurídica da Fortaleza Azul, destacou que, por direito, as crianças não podem sofrer interrupção no serviço de saúde. Mariana Lobo, defensora pública e supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC), informou que o órgão foi acionado pela FAZ e pelas famílias e que estão sendo colhidas informações para dar seguimento ao caso. “Notificamos a Unimed para saber o porquê do descredenciamento da clínica e por que a Unimed não notificou os usuários da rescisão”, afirmou Mariana.
A defensora pública reforçou que existe responsabilidade tanto da Unimed quanto da clínica para com os usuários, especialmente no que diz respeito à informação sobre o descredenciamento. Ambas as empresas foram notificadas e têm um prazo de até cinco dias para fornecer informações à Defensoria. As famílias afetadas foram orientadas a abrir reclamação junto à ANS, solicitar o histórico de atendimento à clínica Adaptro e buscar a Defensoria para avaliação de cada caso.
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