Um novo levantamento do Instituto Sou da Paz, apresentado na quarta edição do relatório “Violência Armada e Racismo: O Papel da Arma de Fogo na Desigualdade Racial”, evidencia que homens negros têm 211% mais probabilidade de serem assassinados por armas de fogo em comparação a homens não negros. O documento detalha a relação entre violência armada e desigualdade racial no país.
A análise tem como base informações do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), considerando o período de 2012 a 2023 para os homicídios e até 2024 para os registros de violência armada não letal. Os dados demonstram que, apesar de uma redução no total de homicídios, os crimes cometidos com armas de fogo seguem em patamar elevado e praticamente constante.

Informações do Ministério da Saúde revelam que 71% de todos os homicídios registrados entre 2000 e 2023 ocorreram por arma de fogo. O relatório aponta que a vitimização recai majoritariamente sobre homens, que representam 94% das mortes. Entre eles, jovens de 20 a 29 anos concentram as maiores taxas: 81,2 óbitos por 100 mil homens, índice superior ao triplo do observado entre adolescentes e quatro vezes maior que o registrado entre homens mais velhos. Os dados mostram ainda que 80% das vítimas masculinas mortas por arma de fogo são negras.
“A pesquisa dá visibilidade aos impactos da violência armada sobre a população brasileira negra e masculina, com objetivo de suscitar a defesa de novas políticas públicas que enfrentem o forte viés de gênero e raça observado na vitimização por arma de fogo no país”, comenta Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Estados e Regiões
Em 2023, o Nordeste concentrou quase metade das mortes por arma de fogo entre homens, alcançando a maior taxa do país: 55,8 por 100 mil habitantes, sendo 90% das vítimas negras. O Norte aparece em seguida, marcado por disputas territoriais, conflitos ambientais, garimpo ilegal e atuação de facções criminosas, registrando 45,75 mortes por 100 mil homens. O Sudeste responde por 20% dos homicídios, mas apresenta a menor taxa (15,3). No Sul, onde há predominância de vítimas não negras (66%), a taxa ficou em 19,6.

Na comparação entre estados, o maior número absoluto de homicídios armados foi registrado na Bahia (5.209), seguida por Pernambuco (2.810) e Rio de Janeiro (2.596). Já nas taxas por 100 mil homens, o Amapá lidera com 111,5, seguido pela Bahia (73,2), Pernambuco (62,0), Alagoas (58,0) e Ceará (52,8).
Entre as capitais, o destaque vai para Macapá (123,5), Salvador (107,5), Recife (74,4) e Maceió (72,9). Em todas as capitais brasileiras, homens negros apresentam taxas superiores às de homens não negros. Na outra ponta, São Paulo (3,0), Brasília (11,2) e Florianópolis (11,3) registram os menores indicadores.
“A desigualdade racial na vitimização por violência armada se reproduz em todas as regiões. Estados da região Nordeste, onde a desigualdade racial na vitimização é mais acentuada, prevalecem entre as unidades da federação com as maiores taxas de homicídios masculinos com arma de fogo desde 2012”, pontua Carolina.
Locais e Circunstâncias
Em 2023, 49% dos homicídios masculinos aconteceram em vias públicas, enquanto 11,6% ocorreram dentro de residências. O estudo ressalta ainda que 26% dos registros não tinham local especificado. Entre idosos, há a concentração de uma proporção maior de mortes dentro de casa, enquanto jovens são majoritariamente vitimados nas ruas.

Além das mortes, a violência armada não letal mostrou crescimento recente. Entre 2012 e 2024, foram contabilizadas 58.549 notificações de agressões cometidas com arma de fogo contra homens no sistema de saúde. Após sucessivas quedas até 2021, os registros voltaram a subir e alcançaram 5.605 em 2024, um aumento de 59% em três anos. Nordeste e Sudeste concentram a maior parte das ocorrências, influenciadas pela circulação de armas e por desigualdades sociais persistentes.
Assim como nos homicídios, os casos não letais atingem principalmente homens negros, vitimados sobretudo em espaços públicos. Entre as notificações, 50% das vítimas eram negras e 44% não negras. Para a diretora-executiva, os números reforçam a urgência de políticas que enfrentem as desigualdades de raça, gênero e classe.
“É preciso investir na prevenção dos fatores da violência armada, controlando a disponibilidade de armas de fogo na sociedade brasileira, tanto no mercado legal quanto no enfrentamento ao seu tráfico ilegal, ponto de partida fundamental para que as políticas públicas de segurança democráticas sejam bem-sucedidas”, comenta.
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