Das páginas políticas às manchetes policiais. Nos últimos dias o cenário político cearense tem ganhado caráter policialesco, com prefeito foragido impedido de tomar posse, prefeito acusado de envolvimento com facções criminosas e deputado federal acusados de corrupção através de emendas parlamentares. O estopim de tudo começou em setembro passado, quando a então prefeita de Canindé, Rosário Ximenes (Republicanos), protocolou denúncia no Ministério Público. Ela revelou estar recebendo ameaças de Carlos Alberto Queiroz – Bebeto Queiroz (PSB), prefeito eleito de Choró.
Na denúncia apresentada por Rosário, ela acusa Bebeto e aliados dele de compra de votos e influência financeira em Canindé e outros 51 municípios. Com a apreensão de celulares, a Polícia Federal conseguiu identificar conversas que comprometem o deputado federal Júnior Mano (PSB). O deputado federal José Nobre Guimarães (PT) também foi citado em uma das conversas interceptadas no celular de Bebeto. A Polícia Federal diz que Júnior Mano teve “papel central” no esquema de manipulação de eleições municipais através da compra de votos e desvio de recursos de emendas parlamentares.
Mensagens interceptadas
Em uma dessas conversas que consta no inquérito policial, o empresário Carlos Douglas Almeida propôs a Bebeto, o desvio de dinheiro proveniente de uma emenda parlamentar que seria destinada pelo deputado José Guimarães. Segundo o empresário, a proposta para desviar o recurso parlamentar teria sido feita por Ilomar Vanconcelos (PSB), vice-prefeito de Canindé, eleito na chapa que derrotou a prefeita Rosário Ximenes.
“Ei, o Ilomar ligou aqui oferecendo a emenda do Guimarães pra… justamente pro caixa. Aí… qual a tua proposta? Tanto tem a opção pra saúde como tem pra infraestrutura, pavimentação ou saneamento”, disse o empresário, na mensagem interceptada pela Polícia Federal. Bebeto respondeu dizendo que só queria emenda para área da saúde e que precisava marcar uma reunião com o Guimarães.
Dias depois, Bebeto envia áudio para Adriano Almeida Bezerra, secretário parlamentar de Júnior Mano citando o percentual que deveria ser desviado da emenda. “Ei, meu fi, vou te passar aqui o telefone. O pessoal do Guimarães querem fazer um negócio de um milhão e meio de emenda de saúde, aí eu quero que meu fi veja aí. Vou mandar eles te ligar, viu. Que aí eu fico mais… no máximo 12%. Indicação pra Choró. Aí indica agora dia seis de outubro. Aí já é logo carimbada”, dizia o áudio de Bebeto Queiroz, ao que o assessor de Júnior Mano respondeu: “Pronto, arroxa”. Os recursos seriam desviados de emenda, no valor de R$ 1,5 milhão, que iria para o Fundo Municipal de Saúde de Choró. Do total, R$ 180 mil teriam sido desviados. No portal da transparência da Câmara dos Deputados, Adriano Almeida aparece na relação de servidores lotados no gabinete de Júnior Mano.
Com a investigação, o caso que começou com uma denúncia de corrupção eleitoral com compra de votos em Canindé e em diversos municípios ganhou outros contornos através das mensagens encontradas no celular de Bebeto. Foi através dessas mensagens que o deputado federal Júnior Mano foi colocado diretamente como investigado em um grande esquema de lavagem de dinheiro e corrupção, através de desvio de emendas parlamentares.
Bebeto também teria mantido atuação nas eleições do município de Morada Nova, de acordo com diálogo em que ele aparece conversando com Edgar Amaral Castro de Andrade, então candidato a vice-prefeito da cidade. Edgar envia mensagem a Bebeto pedindo o valor de R$ 20 mil, que eles teriam previamente combinado para o “negócio” do distrito de Aruaru, localizado na região.
“Vamos começar amanhã a operação lá… e lá nós estava com 25 pontos, veio pra 16 e semana passada só tava com 10 atrás”, diz Edgar em áudio. Para a PF, o então candidato se refere a uma desvantagem eleitoral. Bebeto então responde: “Chefe! Deixa eu terminar essas contas aqui… que eu tenho mais de 100 mil de despesa hoje…”.
Em dezembro passado, ao julgar um recurso da defesa de Bebeto, a Corte do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) encaminhou o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). A transferência de competência ao STF se deu pelo fato do envolvimento de Júnior Mano no caso. Como deputado federal ele tem direito a foro privilegiado. O processo está nas mãos do ministro Gilmar Mendes, cunhado do presidente estadual do Republicanos no Ceará, empresário Chiquinho Feitosa.
Conforme a Polícia Federal, Bebeto e Júnior Mano participavam de um esquema envolvendo práticas como caixa dois, através de desvio de recursos de verbas de emendas, manipulação e influência eleitoral nos municípios. Matéria da Revista Piauí aponta que Júnior Mano se colocava como um articulador nas comissões da Câmara e de outros deputados federais, inclusive sobre o líder do Governo, deputado Guimarães. Até o momento não foram encontradas evidências que comprovem a participação do petista no esquema de Júnior Mano e Bebeto.
MP investiga caso
No último dia 17 de dezembro, o Ministério Público Eleitoral (MPE) ingressou com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) contra Bebeto, mas além dele, estão na ação ajuizada o prefeito e o vice-prefeito eleitos de Canindé, respectivamente, Francisco Jardel Sousa Pinho, o Professor Jardel (PSB); e o já citado Ilomar Vasconcelos (PT). O vereador José Evelton Xavier Coelho também foi citado, além do Professor Evelton (PRD), que não conseguiu se eleger. Todos eles teriam sido apoiados por Bebeto no pleito do ano passado, e a irmã dele, Cleidiane de Queiroz Pereira, também foi apontada como operadora financeira dos supostos esquemas que envolvem o irmão foragido.
- O MP pede a cassação de todos os envolvidos por abuso de poder econômico e político, além de pedir a inelegibilidade dos mesmos.
Compra de votos e de apoio político
Os agentes da Polícia Federal extraíram mensagens do celular de Bebeto em que apontam indícios de que ele realizou transferências para as mais variadas pessoas que lhe pediram algum favor, desde eleitores a diversos candidatos que eventualmente apoiou durante as eleições. Numa das conversas, Bebeto pede que se “arrume uma conta para você botar 100”. O coordenador da campanha de uma candidato a vereador de Canindé era o destinatário desse valor.
Em outra mensagem, ele manda a irmã dele, Cleidiane Queiroz, que “arranje os 200” para o candidato Professor Evelton (PRD), que foi candidato a vereador por Canindé. No entendimento do MPE, os referidos “200” na mensagem interceptada são na verdade R$ 200 mil, montante que seria usado para garantir o apoio do candidato a prefeito, Professor Jardel (PSB).
“Chama atenção, ainda, a completa ausência de publicações no perfil da rede social de Evelton até a data do dia 03/10/2024 no tocante à declaração pública de apoio à candidatura de Jardel, o que pode ser facilmente observado em seu perfil no Instagram”, diz o MPE ao destacar o referido candidato estava alinhado a Kledeon Pinho, mas logo no dia seguinte a esse diálogo via mensagem, ele vira o apoio para Jardel em publicação no Instagram.
Além de políticos locais, eleitores também teriam sido cooptados por meio de compra de votos – tudo aferido nas mensagens coletadas no celular de Bebeto. Em um dos diálogos, datado de 1º de outubro, mensagens no Whatsapp mostram uma pessoa revela estar sem receber salário e com as mensalidades da escolha do filho atrasadas, e que por isso está “precisando de uma ajuda”.
Nos mais variados pedidos, em outra mensagem, um terceiro pediu R$ 200 a Bebeto, afirmando que “você pode mandar em quem eu votar” a fim de garantir a quantia. Então, um candidato a vereador de Canindé intervém e pede uma “assistenciazinha” para que Bebeto o ajude e que ele procure a sua irmã. “Ela vai ver o que pode fazer e lhe dá uma forcinha, viu!”, disse ele em mensagem.
As trocas via WhatsApp mostram os mais variados tipos de negociações ilícitas feitas durante o período eleitoral, como um homem que diz que consegue 25 votos para o Professor Jardel no distrito de Targinos, votos “pro seu prefeito”, já que Jardel era apoiado por Bebeto. “Quando é assim em época de política, nós se ajunta todo mundo pra votar num candidato só, entendeu!… todo mundo junto… esse ano se Deus quiser, nós estamos apoiando vocês…”, mostra um áudio em que o prefeito Bebeto logo depois envia via PIX R$ 300 ao solicitante.
“Mande seu PIX aí pra eu mandar um agradozinho pra você, pra você ficar agradando o povo aí, esses indultos, você ficar puxando logo pra nós”. [Bebeto, que enviou R$ 1000 via PIX para eleitor disse que precisaria de uma “ajuda” para o combustível. Foram prometidos outros R$ 1000 na semana seguinte]
Relação com facção criminosa e elo com policiais
As investigações também apontam outra séria acusação ao grupo envolvido. Segundo os agentes, existe uma suposta ligação com integrantes da facção criminosa Guardiões do Estado (GDE). Em relatório Circunstanciado da PM, foram revelados áudios onde uma pessoa proferia ameaças a um morador da região de Targinos, em Canindé, localem que apoiava um candidato rival a Jardel, este, apoiado por Bebeto.
O relatório apontou que “uma das principais traficantes de drogas da região dos Targinos e (que) está ligada diretamente à ORCRIM (organização criminosa) GDE”, foi quem proferiu essas ameaças, e que a mesma “está participando ativamente da campanha do professor Jardel, inclusive como dirigente de um ‘comitê’ que funciona naquela localidade”, além de que “foi levantado ainda que (a suspeita) também tem aproximação com Bebeto Queiroz, do qual recebeu um veículo modelo GOL, de cor vermelha, que foi cedido para seu pai cancelar o apoio ao candidato Kledeon e apoiar o candidato Professor Jardel (não foi possível coletar identificação de placa de tais veículos)”, segundo informações da Polícia Militar.
Conversas no celular de Bebeto também mostraram a proximidade do mesmo com agentes de segurança, como revela um diálogo que teve com o tenente do Batalhão de Polícia de Trânsito Urbano e Rodoviário Estadual (BPRE). “Obrigado amigo, por todo apoio, viu!… muito obrigado… muita gratidão… que Deus abençoe nós… até o dia 6… a eleição é nossa…”, diz Bebeto sobre a influência do PM em beneficiar a campanha do candidato à prefeitura de Canindé. “Chego na coordenação do sertão central na terça 24 até dia 07. Já afastei a PM dos plantões na região”, disse o tenente em mensagem enviada no dia 22 de setembro.
Em outra conversa, Bebeto fala com um agente rodoviário federal “(O PRF) orienta Bebeto a se apresentar como ‘fulano de tal, BEBETO, fazendeiro, empresário, candidato a vereador e prefeito’, destacando a importância de o chefe da PRF estar ciente ‘da situação’, já que, caso contrário, ele não conseguiria resolver o problema e poderia ser multado, até por fotografias”, aponta o MPE sobre o conteúdo conversado.
“O diálogo, ocorrido um dia antes da promoção de grande carreata por Jardel e Ilomar em Canindé, sugere uma clara tentativa de obter vantagens ilícitas e influências políticas para garantir que o evento fosse realizado sem maiores problemas ou fiscalizações, como se depreende da preocupação com as possíveis multas e irregularidades”. [Jairo Pequeno Neto, promotor, sobre as conversas interceptadas]
O que dizem as defesas e órgãos citados:
Guimarães afirma que “nunca houve nenhum indicativo de que emendas de seu gabinete seriam liberadas para qualquer prática escusa de desvio de verba”. Ele assegura que não tem nenhum vínculo com o empresário ou o assessor de Júnior Mano.
Já o deputado Júnior Mano alega estar sendo vítima de perseguição política por pessoa que “não tem voto”. “Eu sigo fiel aos meus princípios e confiante na justiça de Deus. Esses ataques só mostram que estamos no caminho certo, incomodando quem representa o atraso político”, afirmou o parlamentar.
Sobre essas suspeitas de policiais envolvidos nas atividades ilícitas, a Polícia Federal solicitou o compartilhamento das informações com a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD) para apurar a atuação dos agentes citados, como também com a Procuradoria de Justiça dos Crimes contra a Administração Pública, do MPCE.
Com texto de Suely Frota.
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