Um levantamento realizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), em colaboração com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revelou um cenário de violações de direitos humanos em instituições psiquiátricas voltadas ao sistema de justiça. O Relatório de Inspeção Nacional: Desinstitucionalização dos Manicômios Judiciários, divulgado nesta segunda-feira (28/07), aponta a persistência de práticas como uso de choques elétricos, medicalização forçada, agressões físicas e psicológicas, além de isolamento disciplinar, caracterizando situações de tortura.
Os dados foram coletados em inspeções realizadas entre janeiro e março de 2025, quando equipes do CFP visitaram 42 estabelecimentos de custódia e tratamento psiquiátrico em 21 estados brasileiros. Ao todo, foram identificadas 2.053 pessoas com deficiência psicossocial institucionalizadas sob regime de isolamento.
A presidente do CFP, Alessandra Almeida, afirmou que o relatório representa uma denúncia técnica e pública sobre a realidade mantida sob sigilo nos bastidores desses espaços. “São práticas que contrariam frontalmente a prescrição de cuidado e atenção à saúde que devem ser direcionadas à essa população. (…) A negligência, a lógica do castigo, a violação e o abandono estatal que chega a resultar em prisões perpétuas são marcas dessas instituições”, pontuou.

Segundo o documento, essas instituições operam com infraestrutura precária, falta de acessibilidade, superlotação e limitações ao direito de ir e vir. Há, ainda, restrições ao acesso à alimentação, água potável, itens de higiene e vestuário básico. A precarização do trabalho dos profissionais que atuam nesses locais também foi registrada.
As denúncias envolvem ainda a imposição de contenções físicas e químicas, a ausência de canais seguros para denúncias, o rompimento de vínculos familiares e a violência institucionalizada. O CFP denuncia que essas práticas se contrapõem à legislação nacional, como a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001), além de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Além das violações físicas, o relatório traz um alerta sobre a dimensão estrutural das opressões nos manicômios. “Quando olhamos para os manicômios judiciários, vemos pessoas que não são punidas pelo que fizeram, mas pelo que se teme que possam fazer. Esse é o conceito de periculosidade, uma noção subjetiva e frequentemente enviesada, racializada e capacitista”, comentou Alessandra.
A presidente do CFP também destacou que “no Brasil, essa colonialidade se expressa de forma aguda na vida das pessoas negras, pobres, periféricas e com sofrimento psíquico”. Para o Conselho, o momento exige compromisso institucional com práticas de cuidado em liberdade, sustentadas pelos direitos humanos e pela equidade social.
A publicação do relatório coincide com a implementação da Política Antimanicomial do Poder Judiciário, instituída pela Resolução nº 487/2023 do CNJ, que recomenda o fechamento progressivo dessas unidades.
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