Após a repercussão do caso da criança de nove anos que matou 23 animais no Paraná, surge a pergunta: é possível prever futuros transtornos já na infância? Outro ponto a ser considerado é como a sociedade tem compreendido a importância da saúde mental ser tratada regularmente assim como tantas outras.
Segundo Márcio Gondim, mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), as atitudes humanas são expressão de uma experiência vivida. Ou seja, é preciso analisar todo o contexto antes de tirar qualquer conclusão. “Experiências de desconexão emocional, negligência afetiva ou mesmo traumas podem impactar profundamente o sentido que a criança dá ao mundo e aos seres que a rodeiam. Esses atos extremos podem ser um grito por ajuda ou uma manifestação de uma dor psíquica intensa, onde a criança não consegue compreender ou expressar suas emoções de uma forma adequada”, explica.
No caso de crianças e adolescentes, é necessário que pais e responsáveis estejam atentos para perceber possíveis sinais de que comportamentos agressivos ou disruptivos estejam sendo desenvolvidos. Nesse sentido, é válido manter a vigilância mediante isolamento, dificuldade em formar laços afetivos com outras pessoas e animais, falta de empatia, além de uma tendência a reagir com violência diante de situações de frustração. Outro alerta importante são as alterações repentinas no comportamento, como a incapacidade de expressar tristeza ou raiva de forma verbal, que podem sugerir que a criança está em risco.
Quando questionado se tais comportamentos podem ser indícios de possíveis transtornos na vida adulta, o psicólogo comenta que isso pode, sim, ser possível. “A infância é um período crucial de formação da identidade e das relações com o mundo. Se essas atitudes disruptivas não forem abordadas, podem sim evoluir para atitudes transgressoras na adolescência e vida adulta. Contanto, é importante lembrar que cada ser é singular e que a trajetória de cada um depende do modo como esses comportamentos são acolhidos e significados na sua vivência”, pontua.
Segundo o profissional, no caso de os pais e responsáveis optarem por um acompanhamento profissional, a abordagem deve ser feita de maneira muito cautelosa. Isso porque o processo de diagnóstico envolve uma compreensão profunda do mundo da criança por meio de entrevistas clínicas, observações e também de testes psicológicos. Márcio reforça ainda que é importante lembrar que nenhuma avaliação deve substituir a escuta sensível do sofrimento da criança e da sua experiência vivida. Além disso, também é fundamental considerar o contexto familiar, social e histórico da criança ao analisar essas questões.
No entanto, é comum que muitos pais e responsáveis não saibam como lidar com tal situação. Com isso, Márcio, que também é psicoterapeuta, destaca a importância de trabalhar o desenvolvimento da empatia. Uma dica do profissional é criar um ambiente onde a criança possa se sentir segura para explorar suas emoções. “Isso inclui ajudá-la a reconhecer e nomear seus sentimentos, a compreender os sentimentos dos outros e a desenvolver formas mais construtivas de lidar com frustações. As terapias, as psicoterapias, que vão fortalecer o vínculo afetivo, o reconhecimento do outro, são essenciais”, afirma, dizendo que isso contribui para uma conexão emocional mais saudável.
Em se tratando do caso da criança paranaense, onde foi questionado se seria possível haver um caso de psicopatia infantil, o psicólogo afirma que a crueldade contra animais é sempre um sinal de alerta que deve ser investigado com bastante cuidado. Ele enfatiza que é importante um olhar psicológico e entender que a experiência humana é dinâmica. “Rotular uma criança tão jovem com transtornos graves pode ser prejudicial se não considerarmos todo o seu contexto. O que pode parecer insensibilidade pode, na verdade, refletir uma incapacidade de compreender o impacto emocional dos seus atos, o que requer uma intervenção muito cuidadosa”, conclui.
Entenda o caso
No último domingo (13/10), uma criança de nove anos invadiu um hospital veterinário, em Nova Fátima, no Paraná, e matou 23 animais de pequeno porte. Segundo relatos, o garoto mora com a avó e não tinha histórico de violência. O ato foi registrado pelas câmeras de segurança, que mostraram a mutilação e o esquartejamento dos animais, resultando na morte de aproximadamente 15 coelhos, além de deixar outros animais soltos.
Apesar da gravidade do ato, o menino não será punido criminalmente, pois, de acordo com a legislação brasileira, menores de 18 anos não podem ser condenados por crimes. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que apenas a partir dos 12 anos menores infratores podem ser submetidos a medidas socioeducativas, em casos de atos infracionais, que são ações análogas a crimes.
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