Após dois dias de audiências no Supremo Tribunal Federal (STF), foi concluído o interrogatório de oito investigados pela tentativa de golpe de Estado. O depoimento do ex-presidente Jair Bolsonaro, nesta terça-feira (10/06), foi o ponto central da segunda jornada de oitivas, marcada pela sua chegada com um exemplar da Constituição em mãos.
Durante a sessão conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro negou ter discutido qualquer plano golpista, reforçando que nem ele, nem os comandantes militares, cogitaram ações fora da legalidade. O ex-gestor argumentou que, embora tivesse buscado “alternativas constitucionais” após a derrota no TSE, qualquer possibilidade foi descartada ainda nas primeiras reuniões.
“O golpe até seria fácil de começar. O day after [dia seguinte] é que seria imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia passar por uma experiência dessas”, falou.

Bolsonaro justificou críticas às urnas eletrônicas como parte de um debate legítimo, alegando que nunca insinuou fraude de forma irresponsável e defendendo uma maior transparência no sistema. No entanto, foi interrompido por Moraes, que ressaltou que o inquérito trata de tentativa de golpe, não de supostas falhas no sistema eleitoral.
Divergência de Versões
O ex-ajudante de ordens Mauro Cid, delator no processo, apresentou versão distinta ao STF. Em seu depoimento, ele citou uma pressão por parte de Bolsonaro, explicando que “a primeira hipótese era encontrar fraude nas eleições. A outra, por meio do povo radical, encontrar uma fórmula que permitisse reverter a situação”.
Cid afirmou que o ex-presidente chegou a editar uma minuta de decreto golpista, retirando nomes de autoridades a serem presas. A intenção era que apenas Alexandre de Moraes fosse mantido na lista de sanções.
Negativas e Retratações
Outros depoentes também negaram envolvimento em articulações golpistas. O general Walter Braga Netto declarou nunca ter ordenado ações contra chefes militares ou conhecido planos como “Punhal Verde-Amarelo” ou “Copa 2022”, que previam atos de violência contra políticos.
“Jamais ordenei ou coordenei ataques contra qualquer chefe militar. Pelo relacionamento que eu tinha com eles, se tivesse algo a dizer, falaria pessoalmente. Não tinha contato para isso e não coordenei nenhuma ação desse tipo”, disse.
Já o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira se desculpou publicamente por declarações passadas contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Moraes, negando ter sofrido pressão de Bolsonaro para alterar relatórios sobre o sistema eleitoral. “O que me deixa de cabeça quente é saber, pela denúncia, que eu havia alterado esse relatório. Isso não é verdade”, pontuou.
Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), disse que não participou de nenhuma articulação política nem incentivou servidores a agirem de forma ideológica. O general reafirmou ser favorável ao voto impresso, mas negou envolvimento em campanhas de desinformação. “Não tinha nem tempo para fazer isso”, concluiu.
“Minuta do Golpe”
Confrontado sobre sua atuação e declarações que poderiam sugerir desconfiança na transição presidencial, o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, confirmou que o material que recebeu era técnico, não indício de fraude. Em relação à minuta golpista encontrada em sua residência, ele alegou desconhecimento de sua autoria e afirmou que o documento não deveria ter sido levado a sério.
“Eu levava documentos para casa, eu nem me lembrava desse documento. Foi uma surpresa quando a Polícia Federal pegou. Foi parar na minha casa, mas eu nunca discuti isso”, disse.
Por sua vez, Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), negou ter atuado para divulgar desinformação ou minar a confiança nas urnas eletrônicas. “Tudo o que coloquei nesse documento são anotações pessoais, privadas. Não houve difusão ou encaminhamento. Era algo meu, com opiniões privadas, não oficiais”, justificou.
Posicionamento das Forças Armadas
Durante o interrogatório, o almirante Almir Garnier confirmou reuniões com Bolsonaro após as eleições, mas negou ter colocado as Forças Armadas à disposição para manter o ex-presidente no poder. O militar disse ainda que havia preocupação com manifestações populares nos quartéis, mas que não chegou a visualizar um plano formal de ação.
“Não vi minuta, vi informações em tela de computador. Não recebi um documento. (…) O presidente [Jair Bolsonaro] tinha preocupação com pessoas que estavam insatisfeitas e estavam nos quartéis. Não se sabia para onde ia o movimento”, explicou.
Dinâmica Processual
As audiências aconteceram presencialmente no STF, com exceção de Braga Netto, que foi ouvido por videoconferência, por estar preso. A expectativa é de que o julgamento do chamado “núcleo 1” ocorra entre os meses de setembro e outubro deste ano.
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