Autoria: Seltton Mourão e Janaína Sousa
Um assunto que vem ganhando bastante visibilidade nos últimos anos é a violência contra a mulher. De acordo com a legislação, configura-se como crime toda e qualquer atitude que gere danos físicos, morais, sexuais ou patrimoniais.
Em 2018, foi promulgada a Lei 13.718 que criminaliza a importunação sexual, que é justamente essa prática de cunho sexual realizada sem o consentimento da vítima. Anteriormente a prática era considerada apenas contravenção penal.
Para a defensora pública e supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem), um dos avanços no combate à violência é o transporte por aplicativo direcionado exclusivamente para as mulheres. Entre outras novidades estão uma ferramenta para denúncia de assédio em ônibus e canal de atendimento para orientação e consultoria. Vale ressaltar que todos os projetos foram idealizados e colocados em prática por mulheres, o que traz ainda mais respaldo e credibilidade para o serviço.
“A tecnologia está sendo, e eu acredito que sempre será, uma grande aliada no combate à violência de um modo geral, principalmente no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. A gente sabe que os órgãos governamentais já se utilizam da tecnologia, serviço de inteligência, de monitoramento e sistemas integrados de comunicação para combater a violência. Cada vez mais na temática da violência doméstica está se buscando a tecnologia como meios de auxiliar, tanto para prevenir como educar mulheres e homens também”, declara a defensora.
Dessa maneira, pensando em proporcionar uma maior segurança para as mulheres sem privá-las de sua liberdade e independência, algumas iniciativas vêm ganhando espaço no mercado. Levando em conta pesquisas, dados, levantamentos e experiências pessoais, mulheres estão tendo a tecnologia e a inovação como aliadas para fortalecer e auxiliar o público feminino.
“Não vou mentir, já evitei ir para muitos lugares por medo de acontecer alguma coisa nos pontos de ônibus ou até mesmo dentro do transporte. Todo dia a gente vê caso de mulheres e meninas que são assediadas e ninguém faz nada para ajudar ou impedir. Isso me dá medo e também revolta por saber que o direito de ir e vir está sendo tomado de nós dessa maneira e não podemos fazer nada”, desabafa a estudante Jéssica Oliveira, de 18 anos.
A jovem não é a única a pensar dessa forma. De acordo com uma pesquisa divulgada em 2019 pelos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, 97% das mulheres dizem já ter sido vítimas de assédio em meios de transporte.
“O transporte por aplicativo veio para evitar essas situações, para dar mais segurança e facilitar a notificação desses casos. Se a mulher se sentir constrangida com algum comportamento do motorista ela deve entrar em contato com a empresa porque vai ser fácil identificar pelo carro, pela hora e qual o destino”, reforça Jeritza.
Outro ponto que merece atenção e deve ser considerado é o impacto social causado pela violência contra a mulher. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 58% da força de trabalho do Brasil é composta por mulheres e a economia brasileira perde cerca de R$ 1 bilhão por conta das faltas apresentadas nas empresas por mulheres que são vítimas.
Lady Driver
Em 2017, um levantamento realizado pela PCSVDF Mulher, do Instituto Maria da Penha em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), apontou que 55% das mulheres consideram que a denúncia dos abusadores é mais fácil no caso dos transportes por aplicativo e 45% acham que por esse meio é mais fácil o assediador ser punido. Em se tratando dos meios onde elas se sentem mais seguras, em primeiro lugar vem o veículo já citado seguido pelos táxis e transportes públicos, respectivamente.
“Eu tive a ideia depois que eu passei por uma experiência ruim, um assédio dentro de um carro de aplicativo. E eu fiquei pensando: ‘Quantas mulheres devem passar por isso no mundo?'”, declara Gabryella Corrêa, CEO do aplicativo.
Com o intuito de gerar mais renda e segurança para as mulheres, foi criado o aplicativo Lady Driver. O negócio funciona de modo semelhante ao Uber e demais aplicativos do segmento, mas possui como diferencial destacar apenas motoristas mulheres para conduzir o público feminino. Um treinamento especial também é oferecido para a condução de pessoas da terceira idade, com redução de mobilidade, além de crianças e adolescentes.
Segundo Gabryella, além das passageiras se sentirem mais seguras com motoristas mulheres, as condutoras também preferem atender o público feminino. A partir dessa percepção, a iniciativa foi ganhando forma, se expandindo e conquistando várias localidades do Brasil.
Inicialmente o projeto foi implantado em São Paulo e em Guarulhos, em 2016. Atualmente o Lady Driver atua em mais de 90 cidades espalhadas em 17 estados brasileiros. O aplicativo chegou em Fortaleza em novembro do ano passado.
NINA
Implementada pela Prefeitura de Fortaleza em 2019, a ferramenta virtual Nina tem como objetivo facilitar a denúncia de casos de assédio sexual ocorridos no transporte coletivo. A iniciativa foi criada por Simony César e foi pensada inicialmente para funcionar no campus da Universidade Federal de Pernambuco.
A ferramenta aparece como um botão na interface do aplicativo Meu Ônibus, usado para checar o horário dos coletivos da capital cearense e recarregar o Bilhete Único. A vítima ou testemunha de assédio, através do NINA, pode enviar um formulário com detalhes da ocorrência, como local, horário e linha de ônibus. A partir desse envio, a gestão pública encaminha a vítima às autoridades para receber assistência psicossocial e prestar queixa. O sistema é integrado às câmeras de segurança do município e, após a notificação, a empresa de ônibus responsável tem até 72 horas para encaminhar as imagens à Polícia Civil.
“Eu trabalhava na garagem e via muita coisa absurda. Me sentia impotente enquanto filha de cobradora, passageira e funcionária. Sei o que passei, tenho cicatrizes, tenho traumas, mas se nós simplesmente entrarmos dentro de um carro nunca vamos construir uma cidade segura”, pondera a idealizadora da ferramenta.
Conforme explica a defensora pública Jeritza Braga, os motoristas dos ônibus de Fortaleza podem ser acionados por mulheres que estejam vivenciando uma situação constrangedora. Os veículos são monitorados por câmeras, o que permite identificar com mais facilidade o agressor e comunicar o serviço de inteligência da polícia para tomar as condutas cabíveis para a detenção.
“O transporte por aplicativo veio para evitar essas situações, para dar mais segurança e facilitar a notificação desses casos. Se a mulher se sentir constrangida com algum comportamento do motorista ela deve entrar em contato com a empresa porque vai ser fácil identificar pelo carro, pela hora e qual o destino”, reforça Jeritza.
Mete a Colher
O Mete a Colher é uma startup criada em 2016, em Recife, que utiliza a tecnologia como aliada para combater a violência contra as mulheres. Inicialmente, a iniciativa consistia em uma página no Facebook, onde o projeto se disponibilizava a escutar relatos de vítimas de abuso.
“Durante o Startup Weekend que teve uma versão para mulheres com a proposta de pensar em tecnologia e inovação voltadas a projetos femininos surgiu a ideia de criar uma plataforma focada na questão da violência doméstica. Nós sabíamos de casos em grupos de WhatsApp em que a mulher pedia socorro e ninguém sabia como ajudar. Nossa equipe está profissionalizada para realizar um trabalho bastante assertivo e o Mete a Colher continuará ajudando muitas mulheres no Brasil inteiro, para acabar com a violência doméstica perpetrada pelos companheiros e parceiros”, declara a jornalista e co-fundadora da startup, Renata Albertim.
Em 2021 a empresa lançou um novo produto no mercado chamado Tina. A ferramenta atua como um canal de atendimento e tem o objetivo de atender, orientar e acompanhar funcionárias de empresas que sofrem qualquer tipo de violência no ambiente de trabalho. A Tina oferece atendimento com psicólogas e assistentes sociais, além de relatórios anônimos. Entre as empresas que adotaram a iniciativa estão Natura, Bayer e Carrefour.
Appenha
O aplicativo Appenha é uma iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), Ministério Público de Goiás, Defensoria Pública, Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Polícia Militar, Prefeitura de Goiânia e da OAB-GO. A ferramenta é voltada para o combate à violência doméstica e familiar, bem como para atendimentos de segurança à mulher nesta situação.
O projeto está em fase de elaboração pela Diretoria de Informática do Tribunal de Justiça com o desenvolvimento técnico a cargo da Universidade Federal de Goiás (UFG). A previsão é que o aplicativo seja finalizado no primeiro semestre de 2023.