Atualmente mais de cinco mil agrotóxicos são liberados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Brasil. O intuito do uso das substâncias é eliminar pragas e a proliferação de doenças que podem acometer produções agrícolas em grande escala, além de proporcionar uma melhor preparação do solo e o beneficiamento das lavouras. Porém, os efeitos colaterais dos produtos na saúde humana acabam ficando em segundo plano.
Com o objetivo de estudar mais a fundo essa relação entre o uso de agrotóxicos e a saúde, a médica e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri, Ada Pontes Aguiar, se empenhou em estudar as famílias que vivem na Chapada do Apodi, no Ceará. A região é conhecida pelo cultivo de frutas e recebe as substâncias desde 2000.
Em sua análise, Ada identificou que entre os anos de 2014 e 2016 nasceram cinco crianças com malformações congênitas, o que é raro até mesmo em grandes cidades. Ao verificar o histórico, os fatores genéticos e a exposição dos membros das famílias, foi constatada a presença significativa de cloro no sangue e na água. Além disso, em 40% da urina foram detectadas substâncias relacionadas com o mau funcionamento hormonal e metabólico, conforme apontou a análise laboratorial da FioCruz.
Apesar de todas as pessoas estarem igualmente expostas às substâncias, o impacto é maior nas crianças, que são mais vulneráveis devido o peso corporal e à fase de desenvolvimento metabólico e imunológico. Segundo a pediatra Virna Costa e Silva, os agrotóxicos podem agir diretamente na saúde infantil causando problemas gastrointestinais, na pele, hepáticos, neurológicos, intoxicações agudas, imunológicos e até mesmo na saúde mental, além de má formação.
“O consumo de algumas substâncias dessas mais diretamente está associado a algumas alterações como a teratogênese, que são as alterações na formação do feto. É preciso um acompanhamento porque são incertezas, mas ao mesmo tempo a gente vê associações, então é bem preocupante. Como está numa maior fase de formação está sujeito sim a esses danos”, explica.
A pediatra enfatiza ainda que os produtos podem ter relação com o desenvolvimento de câncer e de infertilidade. Defendendo a mesma ideia, Ada Pontes reforça que crianças que nasçam aparentemente saudáveis podem apresentar problemas de desenvolvimento e crescimento justificados pela concentração das substâncias tóxicas no fígado e nos rins.
Como evitar tais problemas?
Uma alternativa de evitar as contaminações seria recorrer às feiras orgânicas, agroecológicas e com o tratamento de água adequado. As famílias poderiam ainda optar pelo cultivo caseiro de sua própria horta. Porém, grande parte da população não tem acesso a essas possibilidades.
Entre tantos prós, existem também os contras. Entre os principais empecilhos para o consumo de produtos orgânicos estão o seu valor, que é mais elevado em comparação aos outros produtos; a maior demora no processo de cultivo; e a menor produção.
A Associação de Consumidores do Crato, no Ceará, analisou os preços de 155 alimentos orgânicos em 13 supermercados e 4 lojas orgânicas. O levantamento apontou que os a diferença de preços entre os produtos orgânicos e convencionais pode chegar até 75%.
Como está o uso de agrotóxicos no Brasil?
O Brasil assume a segunda posição no ranking mundial de maiores compradores de agrotóxicos que são proibidos na Europa. Porém, apesar da proibição, mais de 40 tipos do produto foram liberados para fabricação e exportação. Os dados são da organização suíça Public Eye em parceria com a Unearthed.
Em nota, o Ministério da Agricultura informou que todos os agrotóxicos são aprovados após análise de três órgãos: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa); Anvisa (Ministério da Saúde); e Ibama (Ministério do Meio Ambiente), segundo suas competências. O Mapa analisa o produto segundo sua eficácia e segurança agronômica, a Anvisa avalia a questão de saúde pública e o Ibama analisa o impacto ambiental do produto.
Em julho de 2020 foi feita uma mudança no Marco Regulatório da Anvisa que decidiu que só será atestada a toxicidade máxima de substâncias que causarem óbito horas depois do contato ou ingestão. Dessa forma, em 2021 apenas seis produtos foram classificados como extremamente ou altamente tóxicos.